Comunicação

08h52

Entrevista: Segurança alimentar no campo

Fundação entrevistou pesquisadoras da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar

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Em seu Programa Social, PDCIS, a Fundação Norberto Odebrecht apoia o trabalho de organizações que promovem a produção sustentável de alimentos, a ampliação da produtividade agrícola e a geração de renda para famílias em situação de vulnerabilidade social. Associadas a outras políticas e ações, esta atuação apoia a garantia de mais segurança alimentar e nutricional para os milhares de beneficiários anuais do PDCIS. Mas, no cenário mundial e nacional, os avanços ainda são lentos: segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 29% da população mundial sofreu com a chamada insegurança alimentar em 2021, seja de forma moderada ou grave. 

Mas, afinal, o que significa este termo? E como as discussões sobre agricultura, cultura alimentar, produção de alimentos e meio ambiente se relacionam com a chamada segurança alimentar e nutricional?

Para responder estas e outras perguntas, a Fundação Norberto Odebrecht entrevistou hoje (16), no Dia da Alimentação, duas pesquisadoras da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN): Fabiana Thomé, mestre em Agroecossistemas, doutora em Desenvolvimento Rural e professora adjunta na Escola de Agronomia e nos Programas de Pós-Graduação em Agronegócio da Universidade Federal de Goiás (UFG) e de Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e Renata Miranda, mestre em Segurança Alimentar e Nutricional, doutora em Ciências Nutricionais e professora adjunta no Departamento de Nutrição e no Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Fundação Norberto Odebrecht (FNO) – O que é insegurança alimentar? Trata-se de um conceito mais amplo do que o de fome?

FABIANA: Falar em segurança alimentar e nutricional leva em conta aspectos de quantidade e de qualidade. Há uma diferenciação bem clara entre o que é insegurança alimentar leve, moderada ou grave, por exemplo. A insegurança grave é, sim, um eufemismo para falar de fome. É o caso de famílias que abrem mão de uma refeição ou mais pois não têm acesso a alimentos. Já a moderada é quando há refeições, mas poucas. E já há uma perda de qualidade nutricional. É quando só se come o que tem, independentemente do valor nutricional. E a insegurança alimentar leve incide sobre a qualidade da comida, não prioritariamente sobre a quantidade: há dinheiro para comprar, mas se deixa de consumir alimentos como frutas, carnes, verduras... e isso não sana as necessidades nutricionais da família.

RENATA: Exatamente, e a definição deste fenômeno está presente na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. É um conceito bastante amplo e complexo, que gira não só em torno da fome, do entendimento mais genérico da sociedade em termos de falta de alimentos, mas também tem aspectos relacionados à qualidade nutricional desse alimento, a se é um acesso regular, permanente, se não compromete nenhum outro tipo de direito social. Se você tem que se privar de saúde, educação, cultura etc. para poder comer, por exemplo, isso já representa insegurança alimentar e nutricional.

FNO – E qual é a situação do campo em relação à insegurança alimentar? É na zona rural onde se produz o alimento, mas também sabemos que ela concentra muito da pobreza de nosso país. 

RENATA: Há muitos dados sobre como é discrepante a situação entre a zona urbana e a zona rural, especialmente em pesquisas feitas no período de pandemia. Infelizmente, salta aos olhos ver como o povo do campo se encontra tão vulnerável à esta questão.

FABIANA: Sim, e se tomarmos o recorte da insegurança grave, por exemplo, os dados são de que 15,5% da população brasileira está nessa situação. Ou seja, passa fome. Na zona urbana, este número é de 15% da população; e, na zona rural, paradoxalmente, são 18,6% da população. A situação é pior no meio rural, justamente onde os alimentos são, ou deveriam estar sendo, produzidos.

FNO – E o que é possível fazer para ajudar a combater este problema? Quais são as políticas que podem fomentar a segurança alimentar no campo?

FABIANA: Nosso grande avanço em mitigar a fome no campo e no urbano tem a ver com políticas públicas intersetoriais e integradas. Uma das leituras que a gente pode fazer é a questão do acesso à terra. Tanto políticas de acesso à terra, como a reforma agrária, como políticas de governança, de manutenção da terra. Ou seja, uma série de políticas rurais que garantam que essas pessoas tenham uma propriedade e consigam produzir nela. 

Precisamos avançar em acesso à crédito rural, em políticas agrícolas de incentivo à produção, especialmente para a agricultura familiar, biologicamente diversa, agroecológica... Também são necessárias ações para levar renda e mercado a estes públicos de produtores e produtoras, muito alinhadas, por exemplo, ao trabalho que a Fundação Norberto Odebrecht realiza.

RENATA: E já há muitas ações que auxiliam que agricultores e agricultoras familiares se afastem da insegurança alimentar e nutricional. Um exemplo é o PAA, o Programa de Aquisição de Alimentos, política pública que fomenta o escoamento da produção da agricultura familiar e favorece as comunidades mais vulneráveis em centros urbanos, por exemplo. Outro exemplo é o próprio PNAE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que traz o que a gente chama de ganha-ganha: fomenta a segurança alimentar e nutricional com a alimentação escolar e dá ao agricultor mais renda e trabalho.
 
Mas tem outras políticas que ajudam: investimento para a produção, maquinário etc., além da promoção de assistência técnica para estes produtores. Com mais renda, além de produzir mais, a população do campo consegue acessar mais e melhores alimentos. Esses benefícios se estendem para o rural e para o urbano pois parece haver uma tendência de que comida de verdade se torne mais cara do que os ultraprocessados. Como consequência, a população está comendo menos frutas, menos arroz, menos feijão, menos legumes para consumir mais ultraprocessados, que não fazem bem nem à saúde humana e nem à planetária. 

Três vasilhas com frutas desidratadas
Frutas desidratadas são exemplo de alimentos minimamente processados por agricultores; esta produção pode gerar renda e valorização da cultura alimentar


FNO – Sabemos que alimentos ultraprocessados não são benéficos à saúde. Mas o processamento de alimentos também é algo que pode impulsionar a renda – e, logo, as condições de segurança alimentar - dos agricultores e agricultoras, não é? 

RENATA: Sim, pois a industrialização não é de todo ruim. A questão é evitar o alimento ultraprocessado, que se utiliza de muitos outros produtos na composição, inclusive desconhecidos de quem consome, e perde parte de sua própria matriz alimentar. Mas no beneficiamento, no processamento artesanal, o agricultor está apenas processando minimamente os alimentos frescos ou agregando a eles outros ingredientes culinários. São as compotas, os pães, as farinhas, as geleias, as polpas de frutas.

FABIANA: E os ultraprocessados são essencialmente diferentes destes alimentos. Alimentos processados não usam aditivos que, em geral, são empregados nos alimentos ultraprocessados. Além disso, queijos, beijus, doces de tacho... esses alimentos são historicamente produzidos por culturas do nosso país inteiro. A farinha de mandioca, por exemplo, é um alimento processado. Mas é produzida e consumida em todo o Brasil, é base de nossa alimentação.

Beneficiar comida pode até ajudar a desenvolver territórios de forma sustentável, pois quando as famílias se organizam em associações, em cooperativas, em coletivos, e processam alimentos, elas estão gerando renda, valorizando a cultura alimentar da região e ajudando a garantir a segurança alimentar e nutricional. 

FNO - Vocês citaram os sistemas alimentares sustentáveis, e como é preciso evoluir de um sistema atual, que é prejudicial à saúde humana e à saúde planetária. Na prática, o que seria um sistema alimentar sustentável e como ele pode incentivar a segurança alimentar? 

FABIANA: Sistemas alimentares sustentáveis são muitos, são diversos. Por isso, é melhor nos referirmos a eles no plural. Esses sistemas são fundamentados na sustentabilidade ambiental e social, desde a produção, passando pelo beneficiamento e processamento até a distribuição e consumo dos alimentos. 

Em resumo, este conceito implica que quem produz tenha acesso à terra e a políticas agrárias e agrícolas para produzir e gerar renda da terra; que se estimule a produção biodiversa e fundamentada em princípios de base ecológica; que se valorizem circuitos curtos de distribuição; e que se incentivem produtos e hábitos de consumo locais. Tudo isso ajuda a garantir o acesso democrático a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. 

RENATA: Nesse sentido, isso também envolve eliminar ou pelo menos fazer uso mínimo de agrotóxicos. Mas, para além disso, envolve produzir não na lógica das monoculturas, mas sim na lógica da agrobiodiversidade, valorizando produtos e conhecimentos locais. Aqui cabe menção à Vandana Shiva [filósofa e ativista ambiental indiana], que, em sua referência às chamadas ‘monoculturas de mentes’, também se soma ao nosso entendimento de sistemas alimentares sustentáveis.
Por fim, tudo isso se alinha à própria definição de segurança alimentar disponível na legislação, que consiste na “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.

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