Comunicação

07h14

Edição 111 - Semeando o próprio destino

Cadeia Produtiva da Mandioca é destaque entre os projetos desenvolvidos em Tancredo Neves (BA) para capacitar jovens e adultos.

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Em 1989, o distrito de Itabaína, no Baixo Sul da Bahia, se separava de Valença e se tornava uma cidade: Presidente Tancredo Neves. Hoje com cerca de 19 mil habitantes e considerado um dos 100 municípios mais pobres do estado, sua chance de garantir o futuro remete, curiosamente, ao seu passado - mais exatamente ao nome pelo qual era chamado até sua emancipação.

Ainda muito querida e utilizada por muita gente que mora na região, a palavra “Itabaína” está impressa no rótulo da farinha de mandioca, produto final do projeto que pretende impulsionar a Cadeia Produtiva desse alimento no município. A logomarca da nova farinha está sendo criada pelo Serviço de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas – Sebrae.

Esse é um dos projetos que estão sendo desenvolvidos em Tancredo Neves pela Fundação Odebrecht em parceria com o Instituto Ayrton Senna, a Fundação Kellogg e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. A Cadeia Produtiva da Mandioca tem ainda o apoio técnico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa.

A idéia é unir os capitais ambiental, humano, social e produtivo em torno do cultivo da raiz, a atividade agrária mais viável para o desenvolvimento de Tancredo. Com uma cultura variada, em que são cultivados cacau, guaraná, cravo, pimenta-do-reino e outros produtos agrícolas, é a mandioca que pre domina entre as lavouras temporárias no município.

“A mandioca foi escolhida de comum acordo com a comunidade, que já tinha intimidade com seu manejo”, conta o agrônomo Marcelo Abrantes, líder do projeto de agricultura. Segundo ele, tecnicamente a principal mudança incentivada é a mecanização, capaz de duplicar a produtividade.

A Cooperativa dos Produtores Rurais de Tancredo Neves – Coopatan recebeu recursos para seus cooperados plantarem 600 ha de mandioca. O primeiro ciclo de plantio já está sendo concluído. Com 60 cooperados envolvidos – cada qual recebeu um financiamento proporcional ao tamanho de sua terra, sem juros e correção monetária – e 125 ha plantados, em julho do ano que vem começa a colheita. Ao todo, são 350 associados na Coopatan.

A intenção é que, no período da colheita, tudo esteja montado para que possa ser iniciada a comercialização, etapa que oferece melhor ganho para os produtores, ao lado da industrialização. Na fábrica de farinha, os cooperados vão atuar em conjunto, em vez de produzirem sozinhos, sem higiene, sem qualidade e explorando o trabalho infanto-juvenil.

Com a fábrica funcionando a pleno vapor, será possível incrementar a renda média das famílias, hoje em torno de R$ 180. Uma Unidade-Família Cooperada com 3 ha plantados poderá obter uma renda anual superior a R$ 10 mil, ou quase R$ 900 por mês.

A farinha Itabaína será um produto diferenciado pelos selos de certificados em sua embalagem: não só o de inspeção federal (SIF), como os de qualidade alimentícia, embalagem reciclável, respeito à ecologia, alta tecnologia e por não utilizar trabalho infantil. E, em cerca de três anos, terá também o selo de produto orgânico.

A preocupação com o meio ambiente é um viés decisivo no projeto – seu “capital ambiental” – e tem a orientação da Organização de Conservação de Terras – OCT, entidade apoiada pela Fundação Odebrecht. Atualmente, nas casas de farinha rudimentares da região, os resíduos líquidos, chamados de manipueira,
escorrem sem cuidado, infiltrando-se no solo.

Rica em ácido cianídrico, a manipueira pode envenenar os animais, além de diminuir o oxigênio da terra e da água. “A melhor de todas as condições”, ressalta Guilherme Valladares, Diretor-Executivo da OCT, “será o aproveitamento futuro da manipueira para transformação em biogás.” O combustível, composto principalmente de gás metano, servirá para aquecer os fornos das casas de farinha, que hoje utilizam madeira retirada da floresta nativa. Assim, a fábrica se realimentará de seus próprios resíduos.

Os cooperados também estão aprendendo a ter atitude empresarial, com assessoria de técnicos do Centro de Estudos Tecnológicos da Embrapa, situado a cerca de 100 km de Tancredo Neves. O padrão Embrapa prevê uma produção mínima de 20 t de mandioca por ha; atualmente, a produção é de apenas 8 a 9 t/ha. Com uma produtividade alta, independentemente do aumento ou da queda na demanda, os custos terão como ser cobertos pelos agricultores.

Até mesmo a vida urbana de Tancredo Neves poderá sofrer alterações no futuro, para melhor. Inspirados na organização francesa Companheiros do Dever, jovens com idade entre 18 e 22 anos estão sendo capacitados a construir moradias de qualidade e de baixo custo. O principal objetivo é evitar o desperdício de materiais: pode-se economizar até 70% no uso de argamassa.

O técnico em engenharia e arquitetura francês Christophe Houel está treinando trabalhadores para a reforma prevista de 120 casas inadequadas à moradia. Com o apoio da Associação Brasileira de Cimento Portland – ABCP, a fábrica de blocos de concreto existente na cidade será modernizada. Está prevista ainda a construção de 30 casas novas, que dão melhores condições de moradia aos que vivem em casebres à beira da BR-101.

No projeto, serão capacitados 32 jovens e 30 adultos, hoje desempregados ou subempregados, além de outros cinco mestres em construção civil. “Se houver recursos financeiros, já em cinco anos será possível mudar o aspecto físico da cidade”, diz Houel.

Uma casa piloto está sendo erguida nas proximidades da fazenda Novo Horizonte, adquirida pelo projeto com financiamento da Caixa Econômica Federal, para ser a sede da Casa Familiar Rural e da fábrica de farinha.

A Casa Familiar Rural será uma oportunidade para os jovens que desejarem dar prosseguimento ao trabalho de seus pais no campo. A primeira turma, composta de 30 alunos com idades entre 14 e 21 anos, acaba de ser selecionada e já começa em março a freqüentar as aulas, equivalentes ao nível médio (segundo grau).

O projeto também tem origem francesa: as Casas Familiares surgiram no final da década de 1930, a partir das teorias do pedagogo Célestin Freinet (1896-1966). Em 1920, Freinet, designado para lecionar em uma pequena vila no interior da França, logo percebeu o desinteresse das crianças em sala de aula, e decidiu criar uma pedagogia capaz de integrá-las.

A “pedagogia da alternância” de Freinet será aplicada em Tancredo Neves da seguinte maneira: os alunos moram na Casa Familiar Rural durante uma semana e passam os 15 dias seguintes na casa dos pais, levando um plano de estudo para trabalhar os conceitos
com sua família e, conseqüentemente, com a comunidade.

Um dos pontos que chamaram a atenção dos jovens foi a não-diferenciação entre meninos e meninas, criadas para o serviço doméstico, mas não para plantar. Isso entusiasmou Mariene da Silva Barbosa, de 17 anos, selecionada para a primeira turma. Bastante articulada e com fé no futuro, a adolescente fala
como quem tivesse adquirido poderes de vidente: “Vejo a mim mesma como uma fazendeira, com meu pasto, minha horta, meus porcos e galinhas. Vejo o desenvolvimento não só da região como um todo, mas do município, da minha casa, da minha vida”.

Na Casa, os estudantes receberão noções de biologia, ecologia, fisiologia e química vegetais, além do conceito de agronegócio, de acordo com uma metodologia multidisciplinar, o que a diferencia das escolas agrícolas tradicionais.

O agrônomo Luciano Alfredo Bonaccini, c o o rdenador da Casa Familiar Rural, diz que o projeto se diferencia das demais escolas agrícolas porque “o foco é formar jovens empreendedores rurais, enquanto as escolas formam empregados”. Para ele, é preciso recuperar o conhecimento tradicional, perdido com a chamada
“revolução verde” dos anos 1950, quando o uso de fertilizantes e defensivos químicos se disseminou, e ao mesmo tempo adaptar as tecnologias modernas às condições locais.

“É preciso equilibrar os dois pratos da balança, o tradicional e o novo. Do jeito que está a atividade agrícola em Tancredo hoje, nem é caipira nem moderna”, diz Bonaccini, que cita como exemplo de adaptação a suinocultura ao ar livre, o chamado “porco ecológico”, que não fica em baias fechadas, como na
criação industrial, mas é mantido com toda a higiene e alimentação adequadas, ao contrário do que acontece nas pequenas criações.

Tudo isso será transmitido pela Casa Familiar Rural: um conhecimento que não seja dissociado da realidade de quem vive na região, dentro de um conceito multidisciplinar. “O que queremos é abrir a visão do jovem para um negócio que seja rentável, e para outros também, para que não fique dependente apenas
de uma atividade agrícola.”

Para modificar a realidade da região também é preciso transformar seus moradores em cidadãos. Por isso foi criado o Balcão de Direitos, com o apoio do Tribunal de Justiça da Bahia e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Em um censo feito na região por 200 jovens em 2000, chegou-se à constatação de que 30% da população estavam desprovidos de documentação básica, total ou parcialmente.

Através de um convênio com o Instituto Pedro Mello, para emissão de carteiras de identidade, agora os moradores de Tancredo Neves podem tirar o documento, sem o qual não têm acesso a nenhum dos programas governamentais, como o Bolsa Escola. Um advogado dá orientação jurídica, e também é possível fazer
o CPF e a carteira de trabalho.

Prestes a se aposentar, o lavrador Antonio de Jesus, de 62 anos, viu que precisava tirar seu documento de identidade, CPF e a carteira de trabalho – só possuía o registro de nascimento e o título de eleitor. “Nunca liguei, vivia mais dentro da rocinha, que amo muito. Além do mais, ninguém nunca me agarrou por falta de documento”, diz seu Antonio, que logo estava com a carteira de trabalho na mão. Em branco, mas absolutamente necessária para garantir a aposentadoria e, com ela, o direito a uma velhice um pouco mais tranqüila.

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